Gestão e Estratégia em Negócios Internacionais

O PASSADO E O FUTURO DAS FERROVIAS CATARINENSES

O PASSADO E O FUTURO DAS FERROVIAS CATARINENSES
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As ferrovias chegaram à Santa Catarina, no início dos anos 1880, com a construção da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina (EFDTC), aberta ao tráfego em 1884. Esta ferrovia tinha como finalidade transportar o carvão extraído nas minas sul catarinenses (em Orleans) até os portos de Laguna e Imbituba. Devido à expansão da atividade carbonífera, a “Ferrovia do Carvão” foi prolongada em algumas ocasiões, alcançando as cidades de Criciúma (1919), Urussanga (1925), Araranguá (1927) e Siderópolis (1947). A EFDTC, que chegou a possuir 264 km de trilhos, perdeu 100 km, principalmente pela erradicação do trecho entre Criciúma-Araranguá (1969) e Tubarão-Lauro Muller (1974).  

Na década de 1900, iniciou-se a construção da Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC). O primeiro trecho da ferrovia, com aproximadamente 30 km, foi inaugurado em 1909, ligando Blumenau à Warnow (hoje Indaial). Após, a EFSC foi ganhando trilhos, em duas frentes (leste e sudoeste), chegando ao Porto de Itajaí (1956) e à São João da Agrolândia (1964). Esta ferrovia se destinava ao transporte de produtos derivados do extrativismo (madeira, erva-mate e cereais) e de produtos da pequena produção agrícola e artesanal da região. Em 1971, foi desativada pela Rede Ferroviária Federal S.A., devido a sua situação deficitária.

O trecho catarinense da Estrada de Ferro São Paulo/Rio Grande (EFSPRG), entregue para o tráfego em 1910, com 347 km, ligava os três estados do Sul à São Paulo, passando pela região do Contestado (entre os rios Iguaçu e Uruguai). Em 1906, da cidade portuária de São Francisco do Sul, partiu o chamado “Ramal São Francisco” que, conectou-se à EFSPRG em Porto União, em 1917. A “Ferrovia do Contestado” e o “Ramal São Francisco” se dedicavam, principalmente, ao transporte de erva-mate, madeira e cereais.

Essas ferrovias, assim como tantas outras, eram concessões realizadas pelo Estado, com garantia de juros, a terceiros interessados em construí-las e administrá-las. Contudo, os resultados deficitários do sistema ferroviário nacional, aliados ao pagamento destas garantias das concessões (herança do Império), obrigavam o Estado a desembolsar grades quantias de recursos. Buscando equilibrar as finanças e remodelar o sistema ferroviário, em 1957, foi criada a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), empresa estatal que ficou responsável pela administração das ferrovias brasileiras, com exceção da malha paulista. A ideia era simples: com as ferrovias sob controle do Estado, não haveria mais o pagamento das garantias e o déficit dos cofres públicos com o segmento reduziria.   

Em 1969, na administração da RFFSA, foi construída a mais recente estrada de ferro catarinense: o Tronco Principal Sul (TPS). Esta ferrovia conecta Brasília à General Luz, no Rio Grande do Sul, em um percurso de 2.787 km. Diferentemente das demais ferrovias, o trecho catarinense do TPS não tinha como objetivo atender demandas regionais e específicas de transporte. Tratava-se de uma ferrovia de passagem, que ligava os estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, passando pelos planaltos Norte e Serrano (Mafra à Lages), transportando, entre outras mercadorias, cereais, madeira, adubo e derivados do petróleo.

Em 1997, a RFFSA foi incluída no Plano Nacional de Desestatização e as ferrovias foram (novamente) concessionadas à iniciativa privada, criando-se a base do modelo ferroviário existente até os dias atuais. Feitas estas breves considerações, chegamos ao atual cenário das ferrovias catarinenses.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Infraestrutura (SIE), Santa Catarina possui 1.365 quilômetros de trilhos, sendo 1.201 km concessionados à Rumo Logística (antiga América Latina Logística – ALL) e 164 km concessionados à Ferrovia Tereza Cristina (FTC). Considerando estes números, e sem entrarmos no mérito das questões que tratam da necessidade e da utilidade destas ferrovias, para muitas pessoas existe um “problema” no mapa ferroviário catarinense: a malha Tereza Cristina não se conecta ao restante da malha catarinense, inexistindo, assim, um sistema ferroviário estadual.

Buscando potencializar o transporte ferroviário catarinense e criar um sistema ferroviário, no início dos anos 2000, em um projeto coordenado pelo governo estadual, foi desenvolvido o “Estudo de Viabilidade do Sistema Ferroviário no Estado de Santa Catarina”, que propôs a construção de duas novas ferrovias: a Ferrovia Litorânea e a Ferrovia Leste-Oeste (Corredor Ferroviário de Santa Catarina). A Ferrovia Litorânea, com 236 km, tem a proposta de conectar a malha Tereza Cristina, em Imbituba, à malha sob concessão da Rumo Logística, em Araquari. Por sua vez, a Ferrovia Leste-Oeste, com 610 km, busca expandir os trilhos para o Oeste do estado, partindo do Vale do Itajaí. Válido ressaltar que, dependendo da variação dos traçados finais de cada ferrovia, as quilometragens evidenciadas podem sofrer alterações.

Segundo o Estudo de Viabilidade, a construção destas ferrovias estaria pautada na projeção do crescimento econômico das principais regiões do estado, num horizonte de aproximadamente 30 anos (1999-2030) e o fácil acesso a todos os portos catarinenses. Contudo, desde 2003, ano da finalização do Estudo de Viabilidade, até o presente momento, passaram-se 14 anos e pouco foi realizado em prol das ferrovias planejadas. O edital para a realização do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Ferrovia Leste-Oeste, até 2012, sofreu com adiamentos, impugnações, suspensões e revogação. Em 2014, após intervenção do TCU, o edital foi concluído. Segundo informações da Valec (empresa estatal responsável pela construção de ferrovias), atualmente, o Corredor Ferroviário de Santa Catarina se encontra em fase de estudo para análise do melhor traçado.

A Ferrovia Litorânea segue um caminho semelhante. Em 2008 e 2009, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) lançou os editais que contemplavam os projetos iniciais da ferrovia, que foram finalizados em 2010. Em 2013, o projeto foi interrompido devido a um impasse entre a Valec e a Fundação Nacional do Índio (Funai). O motivo da divergência entre as partes estava no trajeto da ferrovia, que passa pela reserva indígena localizada no Morro dos Cavalos (Palhoça). Notícias recentes, veiculadas nos meios de comunicação regionais, confirmam que, embora existam articulações no meio político e empresarial, buscando desatar essas amarras, o projeto segue parado até o momento.

Como já descrito, passados 14 anos da finalização do projeto, corriqueiros e duradouros são os impasses que bloqueiam o avanço das ferrovias de Santa Catarina (e em tantos outros setores na esfera nacional) e a tão desejada integração entre as estradas de ferro, permitindo a criação do sistema ferroviário catarinense. Talvez, já estejamos acostumados, embora não conformados, com a morosidade e a vagareza com que as coisas acontecem em nosso país. Para não irmos muito longe, mantendo-nos no assunto logística, basta recordamos que a duplicação da BR-101 foi concluída após 10 anos de obras e muitas perdas. Dito isso, nos resta aguardar para ver aonde levarão os trilhos catarinenses...

Ricardo Alves Colonetti: Possui Mestrado em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (2016), Especialização em Logística e Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI (2011) e Graduação em Administração com Habilitação em Comércio Exterior pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (2010). É Administrador registrado junto ao Conselho Regional de Administração de Santa Catarina, desde 2010, possuindo experiência profissional na área de Administração com ênfase em gestão organizacional (foco em micro, pequenas e médias empresas), auditoria e logística. É membro dos seguintes grupos de pesquisa: História Econômica e Social de Santa Catarina - GRUPHESC (UNESC), Propriedade Intelectual, Desenvolvimento e Inovação - PIDI (UNESC) e Gestão e Estratégia em Negócios Internacionais - GENINT (UNESC), atuando, principalmente, em temas relacionados à economia regional, gestão empresarial, logística e comércio exterior.

31 de agosto de 2017 às 01:01
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