Ciência Unesc

Ciência, sapiência e consciência

Gladir da Silva Cabral (Coordenador do PPGE)

Longe de ser mera aplicação de alguma técnica ou estratégia pedagógica, a educação é movimento complexo e constante de reelaboração da vida, um contínuo redimensionar-se e reposicionar-se perante a realidade. Mais do que acumular e repassar informação, o processo educativo implica reflexão profunda e formação humana. Aproveitando as provocações feitas por Rubem Alves em seu livro Sobre a ciência e a sapiência, em que ele reflete sobre os limites da primeira e a importância da segunda, proponho aqui uma breve reflexão sugerindo que a educação só se faz completa na medida em que inclui ciência, sapiência e consciência.

Primeiramente, a educação que praticamos na universidade, tanto na graduação quanto na pós-graduação, caracteriza-se principalmente como exercício de compreensão científica da realidade. A concepção de educação com a qual trabalhamos na Universidade prioriza o conhecimento científico, isto é, aquele conhecimento produzido dentro dos rigores preconizados pela ciência. Isso não quer dizer que os saberes populares e não científicos sejam desprezados ou negados, mas ressignificados e transcendidos. O conhecimento científico, em que pese suas limitações, está sustentado por uma base teórica que responde por sua fundamentação ideológica, segue uma rotina de trabalho, uma metodologia previamente pensada, inclui a análise profunda dos dados coletados e apresenta-se ao referendo de uma comunidade científica. Ele é testado, debatido, questionado, comprovado e compartilhado. Portanto, a ciência é humilde, pois é trabalho coletivo, com relevância social e aberto à crítica e à revisão.

Em segundo, lugar a educação inclui também a sapiência. A educação não é mera produção ou acúmulo de informação, ainda que de caráter científico. Ela tem um propósito mais ambicioso ou pretensioso: mudar a realidade. Num certo sentido, pode-se dizer que o propósito da ciência é também, eventualmente, o de modificar a realidade, mas ela não pode fazê-lo sozinha. A ciência é ferramenta de trabalho essencial do educador, que é seu divulgador, incentivador e co-produtor. Contudo, a educação tem também um lastro necessário de totalização, uma visão de mundo, uma aspiração de formação humana, um desejo de diálogo com a sociedade em geral que está para além dos objetivos meramente científicos. A educação, portanto, trabalha com um conhecimento que permita a integração da comunidade em geral e a compreensão da vida. O filósofo alemão Walter Benjamin, em seu artigo intitulado “O Narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, que reflete sobre o papel das narrativas na história das sociedades humanas, define sabedoria como “conselho tecido na substância viva da existência”. Para ele, o narrador tinha relevância fundamental como divulgador e comunicador de uma sabedoria, de um tipo de conhecimento não apenas informacional, mas que implicava valores éticos, sociais, morais... Benjamin lamenta que essa figura do narrador tenha sido eclipsada nos tempos modernos. Quero crer que a educação, na medida em que colabora para a preservação de uma tradição humanizada e humanizadora, contribui para preservar ou dar continuidade ao papel dos antigos narradores. Educação é narrativa que ensina; é ciência, mas é também arte.

Em terceiro lugar, educação promove e permite o surgimento da consciência crítica do sujeito em relação à realidade. Mais do que produção de conhecimento científico ou formação humana, a educação tem um papel histórico e político inegável e inapelável. E é no pensamento do educador brasileiro Paulo Freire que essa terceira dimensão é melhor formulada. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, Freire fala da importância da consciência crítica no processo educativo. Dessa maneira é a sociedade, e aqui entenda-se claramente o povo, e não apenas as instituições e órgãos governamentais, que vai tomando consciência de sua identidade, de sua história, vai tomando posição diante de seus problemas e assumindo seu papel no mundo por meio da educação. Ou seja, a educação não é mero processo de acumulação de informação, que Freire definiu muito bem como “educação bancária”, nem a inculcação de valores do passado ou de determinada classe social ou instituição religiosa, política ou de que natureza for, mas exercício do pensamento crítico sobre a realidade e sobre a própria prática educacional. Ou seja, lidar com educação é tomar consciência da realidade e do próprio processo educativo. É linguagem que desvela o mundo e busca autonomia. É contínua interação e alternância entre palavra e mundo. É curiosidade teimosa e rebelde, é dúvida disciplinada e consistente.

Aqueles que trabalham com educação, portanto, não estão presos ao dilema de escolher entre ciência ou sapiência. Não se trata de querer isto ou aquilo. Na verdade, a lógica é inclusiva, ou seja, é isto, aquilo e mais aquilo outro. Educar é fazer ciência, buscar sapiência e tomar consciência. É equilíbrio entre três forças, é sinfonia, é música em três movimentos.

23 de maio de 2011 às 16:01
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