Pesquisa Científica

Uso terapêutico da maconha: um debate a ser enfrentado

Como fazer pesquisa sobre uma planta que é simplesmente proibida de existir? Esse é apenas um dos questionamentos de pesquisadores que tentam aprofundar, no Brasil, os estudos sobre o uso terapêutico da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha. A proibição do cultivo e processamento da maconha por décadas em muitos países, e até hoje no Brasil, faz com que o uso terapêutico dos seus componentes ande a passos muito lentos. O uso medicinal da maconha foi o tema de uma das palestras mais aguardadas da Semana de Ciência e Tecnologia da Unesc, com o Farmacêutico e Doutor em Farmacologia, Rafael Mariano de Bitencourt, realizada no dia 25/10, no auditório Ruy Hülse.

Durante a palestra, o pesquisador apresentou um histórico sobre pesquisas relacionadas ao uso medicinal da maconha e todas as dificuldades enfrentadas por conta do preconceito quanto ao uso recreativo e a proibição gerada. Mesmo que de forma bastante lenta, a pesquisa tem comprovado diversos benefícios terapêuticos de substâncias como o canabidiol (CBD) e o THC, extraídas a partir da cannabis sativa. Conforme Bitencourt, o grande impacto da proibição aconteceu na ciência. “Houve um atraso gigantesco na pesquisa, sendo que apenas a partir da década de 90 foram iniciados efetivos estudos sobre as propriedades terapêuticas do CBD, do THC, bem como acerca do sistema endocanabinóide”. Ao longo desses estudos, os pesquisadores acabaram identificando receptores canabinóides e ligantes endógenos para estes receptores no encéfalo humano, ou seja, há “endomaconhas” sendo produzidas e distribuídas pelo nosso cérebro. Esta descoberta abriu possibilidades para muitas formas de intervenções farmacoterapêuticas para as mais diversas condições. Entre erros e acertos nas pesquisas, muitas foram as descobertas significativas, como a aplicação como medicamento para doenças neurológicas ligadas à depressão e síndromes convulsivas. Um desses estudos, de autoria do próprio Rafael Mariano de Bitencourt, egresso do curso de Farmácia da Unesc, mostrou a relação entre a administração de canabinóides no sistema nervoso central e a extinção de memórias aversivas em ratos. Hoje estudos em humanos têm confirmado que o uso do CBD pode ser eficaz como tratamento do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT).

Mas o uso medicinal mais conhecido e que também tem gerado mais repercussão é a aplicação dessa substância como medicamento anticonvulsivo em pacientes com epilepsias refratárias. Devido ao atraso na aprovação da legislação referente à comercialização dos canabidióides, familiares de pacientes enfrentam todas as dificuldades para poder adquirir a medicação. O acesso só é possível após a realização de um longo processo burocrático para que o produto seja finalmente liberado para importação. Hoje, com essa batalha já vencida, o desafio está no preço e a esperança de familiares de pacientes é travada para que o país possa produzir esse subproduto da maconha. Conforme Bitencourt, algumas pessoas têm ganhado na justiça o direito de plantar e extrair de forma artesanal, mas enfrentam dificuldades técnicas quanto a concentrações medicinais corretas. Muitos apelam para laboratórios de universidades que realizam pesquisas na área.

O uso do canabidiol também tem sido usado de forma eficaz no tratamento dos efeitos colaterais em pacientes em quimioterapia. Todas estas possibilidades têm impactado positivamente na economia dos países que já liberaram o plantio, produção e venda dos subprodutos da maconha. Um dos casos relatados diz respeito ao estado americano do Colorado, onde a venda do canabidiol tem gerado receitas milionárias e economia no que se refere ao uso de outros medicamentos. Conforme e revista Forbes, dados da Hemp Business Journal, estimam que o mercado de canabidiol movimentou em 2017 mais de US$ 200 milhões nos Estados Unidos e deve passar de US$ 2 bilhões até 2020.

Com base nas informações, o professor questiona a demora no Brasil com relação ao uso dos canabidióides por aqui. Um dos grandes impactos seria a drástica redução de medicamentos pela indústria farmacêutica, usados atualmente. “Em países onde a lei permite o uso medicinal da cannabis, há uma diminuição drástica da prescrição de outros medicamentos. De acordo com estudos realizados pela universidade da Georgia (EUA), este consumo reduzido de medicamentos levou a uma economia de US$165,2 milhões para os cofres públicos em 2013”, salienta o professor. 

DANOS À SAÚDE

A palestra abordou ainda aspectos negativos do uso recreativo da maconha, através da combustão. Ele destaca que existe estudos os quais indicam um índice de 9 a 10% de possibilidade de dependência, bem como riscos de câncer, esquizofrenia em casos onde há histórico familiar e síndrome amotivacional. Por outro lado, estudos têm indicado que a maconha não leva ao uso de outras drogas nem é porta de entrada para vícios maiores. “Muitas vezes o que é porta de entrada é o próprio tráfico”, observa e conclui que, na sua análise, o maior mal da cannabis é o fato de ela ser proibida. “Mas tem muitas coisas acontecendo e a tendência é que se olhe cada vez mais de uma forma mais científica para tudo isso, menos preconceituosa e menos superficial”, conclui.

Ana Sofia Schuster - AICOM - Assessoria de Imprensa da Unesc

Fonte: AICOM - Assessoria de Imprensa, Comunicação e Marketing

26 de outubro de 2018 às 22:36
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1 comentário

Ana Maria

27 de outubro de 2018 às 06:45

Parabéns. Texto muito bem elaborado com esclarecimento amplo sobre o assunto. Percebe-se que os benefícios do canabdiol são muitos e que há muito interesse por trás para que a liberação não seja efetivada.

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